segunda-feira, 26 de outubro de 2009

Disponível em: http://cafehistoria.ning.com/profiles/blogs/1980410:BlogPost:45210. Acessado em 28/10/2009.

A greve de 1951: O povo contra as fraudes

A “Balaiada de São Luís”, como ficou conhecida, a greve de 1951, foi o mais formidável movimento urbano da história do Maranhão. Representou movimento popular amplo, radical e heterogêneo que mobilizou a “massa urbana” revoltada com as práticas fraudulentas e coronelescas de Victorino Freire, cujas conseqüências foram marcantes. A greve de 1951 ocorreu num cenário de acirramento intra-oligárquico e girou em torno do poder exercido por Victorino Freire que havia corrompido o processo eleitoral garantindo a vitória de seu candidato, Eugênio Barros. O pano de fundo que ensejou a greve de 1951, foi a disputa dos grupos políticos pelo controle do Estado, numa época de ascensão de novas lideranças políticas no Maranhão, ameaçando o poder de Victorino Freire.
Uma dessas lideranças era de Saturnino Belo, ex interventor e vice-governador, até então, aliado de Victorino. Ele apresenta a sua candidatura às eleições de 1951, contra o candidato vitorinista. Saturnino Belo era candidato das classes empresariais, conseguiu aglutinar no pleito, as siglas: PSD, PR, PSP, PL, UDN e o PTB, formando uma grande aliança partidária, em torno de sua candidatura, além de compor as “Oposições Coligadas”. Foi um dos principais protagonistas da greve de 1951. no enstanto, desde 1950 tinha sido preterido pelo oligarca maior do Estado, quando, uniu-se às “Oposições Coligadas”.
Por outro lado, o candidato vitorinista ao cargo de governador do Maranhão era o ex-prefeito de Caxias Eugênio Barros, que disputou a eleição pelo Partido Social Trabalhista – PST. O pleito foi cercado de expectativas e de denúncias de fraudes. Estava em jogo o poder de Victorino Freire no Estado. Aberta as urnas, o candidato das “Oposições Coligadas”, Saturnino Belo, saiu na frente, principalmente em São Luís. Estava ameaçada a vitória do candidato da oligarquia. Victorino Freire preocupado com o quadro eleitoral desvantajoso entra em cena: conseguiu anular via TER, 31 seções eleitorais, algo em torno de 16.000 votos, o suficiente para garantir a ultrapassagem de Eugênio Barros sobre Saturnino Belo e “vencer” o pleito com uma margem mínima de 6.000 votos.
A declaração do resultado pelo TER, acirrou os ânimos. A população de São Luís reagiu de forma violenta à posse de Eugênio Barros. Passeatas foram organizadas; piquetes e discursos inflamados foram feitos em praça pública; jornais foram empastelados; casas de juízes foram depredadas; até mesmo o prédio do TER foi queimado pelos rebeldes. Os “soldados da liberdade” agora iam à forra contra o poder fraudulento. Assim, o povo radicalizou suas ações, influenciado pelos oposicionistas.
Dentre eles estava, Neiva Moreira, fluente jornalista, líder do movimento, acusado injustamente de incendiar vários bairros como Caratatiua, Goiabal e Cavaco, provocando o desabrigo de centenas de pessoas, levando-as ao desespero. Este líder da greve de 51, era chamado de “Caramuru: Deus do fogo”.
Durante o desfecho do movimento, como estratégia, os rebeldes fecharam o porto de São Luís, diminuindo a oferta de alimentos no Estado. São Luís ficou totalmente paralisada por uma greve geral nos meses de fevereiro e março e posteriormente setembro e outubro. A morte do candidato das “Oposições Coligadas”, Saturnino Belo, ampliou os conflitos. Seu funeral foi acompanhado por aproximadamente 40 mil pessoas o que equivalia a 33% da população da capital.
Os ânimos se alteraram e as posições de ambos os lados tornaram-se radicais. Através da violência, as forças militares tentavam calar a multidão incontida. O conflito foi inevitável: houve mortos e feridos em praça pública demonstrando o despreparo policial e o desespero da oligarquia em abafar o movimento. Nem a vinda do Ministro Negrão de Lima e de tropas federais a São Luís, arrefeceram os ânimos. O poeta Nauro Machado, testemunha ocular, assim narrou a violência estabelecida na greve de 51: “Mudo, antes o tiroteio comeu alto, roçou de ponta a ponta: a lei falou sua fala. Sim, a fala-força dos fuzis, das balas, não belas, amarelas. Bolos de mortos. Para se ir à morte não é preciso passaporte. Um quieto domina a Praça Dom Pedro II. Gente morrida matada, corpo sangrando, lares sem pais, filhos, tudo, a prostituição. As gentes estavam rebeladas: a corrupção, as velhas estruturas, o caciquismo e o sindicato da fraude. Universidade da fraude (A mão maquiavélica de Victorino. ‘Uma porca será eleita, até pro senado, se ele desejar’- diziam) assim chamaram”.
“- Escuta esta, fala baixo, dizem que foi muita gente enterrada viva, só com a perna quebrada, por exemplo, mas era ordem superior. Moradores dali de junto do cemitério de São Pantaleão contam que ouviam os gemidos, os apelos”. (MACHADO. In CABRAL: 2206, 02).
Em meio à crise, o deputado César Aboud, assume o cargo de governador até o julgamento do mérito pelo TSE. Apesar da forte reação popular, foi confirmado e diplomado o candidato vitorinista Eugênio Barros. Em conseqüência disso, houve uma ampla mobilização popular contra a posse de Eugênio Barros, o que possibilitou uma intervenção federal do governo Vargas, através do Ministro Negrão de Lima acompanhado de perto por populares numa atitude de pressão de denuncismo. A intervenção promoveu inclusive o controle militar da capital, que foi ocupada por tropas do Ceará, Piauí, Pará e aviões da FAB, sob o comando geral do general Edgardino, comandante da 10ª Região Militar, que em represália ao movimento, impôs as seguintes determinações:

1. “Permitir reuniões públicas somente das 8 às 10h e das 17 às 19h, exclusivamente na Praça João Lisboa.
2. Proibir agrupamentos fora da Praça João Lisboa.
3. Proibir porte de armas mesmo as licenciadas.
4. Considerar como condição de hostilidade o porte de cassetetes, canos, pedras e outros objetos que possam servir para depredação.
5. Considerar desacato às suas ordens a propagação de boatos tendenciosos ou pregação de desordens, motins ou violências contra pessoas ou propriedades.
6. Proibir aos militares da ativa o uso de trajes civis durante o período de prontidão da tropa”. (MOREIRA: 1190, 43)
A estratégia adotada pelas oposições era o acirramento do conflito, com o apoio das camadas populares urbanas. A greve de 1951 tinha o apoio de trabalhadores, estudantes, classe média, políticos e até empresários, parte expressiva da população da capital que votará no candidato de oposição. Desse modo, enquanto as “Oposições Coligadas” obtiveram em São Luís, 20 mil votos, couberam apenas 3 mil sufrágios a Eugênio Barros, candidato vitorinista. Nesse contexto, o movimento alcançara grande repercussão nacional e internacional, transformando-se numa campanha de libertação contra o jugo vitorinista: era a “Balaiada Urbana”. São Luís, passa então, a ser considerada a “Ilha Rebelde”, jargão que virou mito, bastante alardeado nas campanhas políticas da atualidade. Além de São Luís, houve atos de rebeldia em cidades como São João dos Patos, Coroatá e Grajaú.
É importante ressaltar, além da presença do trabalhador urbano, a grande contribuição das mulheres que tiveram participação expressiva no movimento, denunciando a fraude e coletando alimentos e dinheiro para minorar o sofrimento das vítimas dos incêndios, contribuindo inclusive, para garantir a permanência da população no processo de mobilização. O saldo mais triste da greve de 1951 foi o assassinato, pelas forças militares, de vários jovens sonhadores, dentre eles: João Moreno, João Evangelista de Sousa e José de Ribamar Prado, este último de apenas 17 anos.

Artigo extraído do livro "Conhecendo e Debatendo a História do Maranhão"
(Joan Botelho).